Mistura láctea condensada: Produtos como este são um problema?

Há uma ou duas semanas, tomou conta das redes o lançamento da mistura láctea condensada Nestlé. Muita gente contra, alguns pedidos de multa e até ameaças de entrar na justiça. Um ótimo tema para um artigo, é claro. Afinal, estes produtos análogos deveriam mesmo existir?

Já adianto que a resposta é SIM! Não tem problema um produto assim existir. Desde que ele atenda o requisito mínimo de um alimento. Que requisito? Ser seguro para o consumo.

Não precisamos nem entrar no tema de leis, até porque estes produtos alternativos geralmente não seguem um RTIQ (Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade) ou qualquer outro regulamento.

Porém, isso não quer dizer que precisamos gostar ou defender esses produtos. Também não significa que não devam existir regras para tais alimentos. Mas, sendo bem prático, acho que bastaria uma única regra:

Não enganarás ao teu consumidor!

Dito isso, vamos conhecer um pouco mais deste universo de produtos análogos.

Mistura láctea condensada

O mercado.

Não é de hoje que existem no mercado brasileiro, produtos digamos, alternativos. Versões de um produto conhecido, geralmente com custo menor, são abundantes em nossas prateleiras. Muitas delas regulamentadas. Quer um exemplo?

Bebida láctea! Uma versão low-cost de iogurte. É bem fácil de confundir, inclusive.

A verdade é que temos muitos produtos desenvolvidos a partir da mistura das frases “Nada se cria, tudo se copia!” com Copia, só não faz igual!

Mistura láctea
Parece legítimo!

Tanto uma marca tentando copiar uma concorrente quanto versões dentro de uma mesma marca.

É mais ou menos assim.

  • A Empresa A cria um produto original.
  • Empresa B: cria um produto similar.
  • Empresa C: cria um produto análogo, com custo muito menor.

Até aqui tudo bem. Três empresas compartilhando o mesmo mercado, cada qual com seu diferencial. Mas como diria Vin Diesel (Velozes e Furiosos), aqui é o Brasil!

O custo importa. O poder aquisitivo do brasileiro é baixo e isso dita como as coisas funcionam. Por mais que o produto da Empresa C seja inferior, o fato de ser mais barato o faz ganhar uma boa fatia do mercado. Em algum momento as Empresas A e B, ou vão baratear as formulações, ou vão criar suas versões de segunda linha, para competir com a Empresa C.

E nessa brincadeira que, ano após ano, vamos notando que a caixa de bombom fica cada vez menor. Ou pior, vamos percebendo que aquele biscoito famoso já não é mais o mesmo.

Propaganda enganosa?

A mistura láctea já é um produto antigo. Lembro bem das primeiras reclamações da minha mãe (doceira), quando perdeu o ponto de uma receita inteira de brigadeiro por ter comprado mistura achando que era leite condensado. Isso já tem uns 8 anos.

Mas o problema não foi a mistura láctea. Foi não ler o rótulo. Temos essa mania de não ler as coisas, de nos guiar apenas pelo visual. E as empresas usam isso contra nós. Corrigindo, não são as empresas, são algumas pessoas que trabalham nessas empresas.

Eles colocam o produto na mesma embalagem, na mesma prateleira e com o mesmo desenho de pudim. Parece uma boa armadilha, mas não é o suficiente pra cairmos. A cereja do bolo é aquela etiqueta amarela com os números que pesam no nosso bolso. Falou que é mais barato, teje comprado! Só em casa vamos descobrir a decepção.

Mas, ainda assim, eles não estão fazendo nada de errado. É um artifício que pode parecer injusto, mas é válido. Tal qual as letras miúdas em um folheto, ou aquele “ao persistirem os sintomas, um médico deverá ser consultado” nas propagandas de remédio.

Pesquisar e ter atenção é a única forma de não se sentir enganado.

Contudo, não podemos crucificar os produtos em si. A forma como eles são apresentados e vendidos é duvidosa? É. Mas existe um ponto positivo nessa história.

Não serve, ou “não serve para mim”?

Produtos análogos não são, necessariamente algo ruim. Embora na maioria das vezes, pareça que as empresas estão tentando empurrar algo ruim com uma roupa bacana, existem três pontos importantes na comercialização destes itens:

1 – Aproveitamento de subprodutos

Muitas pessoas enxergam o soro de leite como algo ruim, o que não é verdade. Durante muito tempo, ele foi tratado como subproduto dentro das queijarias, e seu destino, ou era a alimentação animal, ou era resíduo.

Isso é um pecado, primeiro por que se trata de um alimento nutritivo, mas principalmente pelo impacto ambiental gerado no seu descarte. Formulações que usam soro são uma boa alternativa de aproveitamento. Bons exemplos são a própria mistura láctea condensada, doce de leite com soro, bebida láctea, compostos lácteos, etc.

Saindo de lácteos, outro exemplo é o apresuntado. Um alimento igual ao presunto, só que permite a utilização de outros cortes de porco além do pernil.

2 – Nem todo mundo pode comprar

Esse motivo está intimamente relacionado ao primeiro. Produtos que aproveitam subprodutos geralmente são considerados como de segunda linha, e por isso, são mais baratos.

Que bom seria se todos pudessem comprar apenas os alimentos nobres. Mas essa não é a realidade. Nós temos até o direito de não gostar de certos produtos, mas algumas pessoas não têm escolha.

A margarina é um bom exemplo. É um substituto de manteiga. Não é um produto ruim, mas é mais acessível. Existe todo um ecossistema que funciona com esses produtos. E isso ajuda também a diminuir os preços dos produtos, digamos, originais, afinal existe um competidor.

Um hambúrguer 100% carne bovina custa uma fortuna? Tem a opção mista de frango e gado. Se só existisse o hambúrguer bovino puro, seu preço seria ainda mais alto. Não tem jeito, mundo vive em escassez.

3 – Impulsão para o desenvolvimento

Nem todo produto análogo é uma versão barata. As vezes, no meio desse caminho, novos alimentos são descobertos. O melhor exemplo da atualidade são os produtos veganos.

Pois é, eles são um tipo de substituto.

E muitos se encaixam perfeitamente no caso da mistura láctea. Uma caixa de hambúrguer a base de plantas parece bastante com uma caixa de hambúrguer convencional. Eu poderia facilmente comprar enganado. O mesmo vale para os sorvetes, iogurtes e bebidas plant-based.

Se eu não ler o rótulo, vai rolar aquela decepção.

Eu não sou adepto destes produtos. Mas eles têm que existir. Alguém consome esse tipo de produto. E nesse caso, eles pressionam o desenvolvimento da indústria de alimentos como um todo. Mais pesquisas, mais variedades, mais aproveitamento de recursos. Mais pessoas satisfeitas.

Finalizando este artigo, não acredito que o problema sejam os produtos. Eles cumprem uma função no mundo. E mesmo os produtos ruins, as vezes eles precisam existir, nem que seja só pra ser massacrado e descontinuado. No final, isso também contribui para a melhoria do nosso setor.

O que não pode acontecer é a tentativa de enganar o consumidor (infelizmente acontece aos montes). E isso se combate com informação. Nós das indústrias, devemos ter isso claro em nossa mente.

Gostou do conteúdo? Comente aqui abaixo algum produto análogo ou substituto que você comprou por engano. Deixe também sua opinião a respeito desse tema. Isso é muito importante para fomentar uma indústria de alimentos mais transparente.

Paulo Henrique Rodrigues Júnior
Paulo Henrique Rodrigues Júnior

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Atuo no setor de P&D e Processos na indústria desde 2015.
E desde então vivo um caso de amor pelos Processos Industriais. E quando sobra um tempinho, faço uns desenhos.

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