Como lidar com reclamações na indústria de alimentos? Um guia básico.

Caro profissional da indústria, você já recebeu alguma reclamação sobre algum alimento que você estava envolvido na produção? Não é uma das melhores situações da vida, não é mesmo?

É normal ficar frustrado, afinal os produtos são frutos do nossa dedicação no trabalho. Mas a pergunta que realmente importa é: O que você faz quando recebe uma reclamação?

Neste artigo vamos abordar algumas boas práticas sobre como conviver com as reclamações e principalmente, como direcionar seus esforços no sentido da solução do problema.

Reclamações

Reclamações são agentes de transformação.

Receber uma reclamação sobre um produto nunca é legal, ainda mais quando você é o responsável pela linha ou pelo produto. As vezes até parece que a coisa toda é pessoal, como se fosse mesmo uma crítica ao nosso trabalho.

Tá certo que nem toda reclamação chega a nós da melhor forma. A comunicação é uma via de mão dupla onde, as vezes o outro lado vem como uma carreta desgovernada na contramão. E isso complica ainda mais um trabalho que já não é simples, mas sem necessidade.

Produtos com defeito fazem parte da rotina de qualquer profissional de alimentos. Ainda não existe um sistema ou ferramenta viável capaz de eliminar totalmente as falhas durante a produção.

Olhando por essa ótica, nada mais natural que existam reclamações a respeito dos alimentos que produzimos, pois vez ou outra, algo sairá do controle. A reclamação é apenas o feedback, significa que alguém viu a falha e resolveu avisar. E esse aviso pode ser do seu cliente, através dos canais do SAC, do seu gestor ou mesmo dos seus subordinados.

Visão além do alcance

Sempre que algo ocorre fora do esperado, qualquer um pode reclamar. Inclusive, isso é um ponto positivo para as empresas e profissionais.

Só podemos melhorar algo quando sabemos que está errado.

E em nossa rotina de trabalho, é impossível fazer ou saber de tudo. Nem temos como abrir todas as embalagens e testar individualmente cada produto.

Isso aqui é uma fábrica de alimentos, não de lâmpadas. Aliás, nem com as lâmpadas dá pra garantir.

Nesse sentido, se é normal que existam problemas, é importante que eles cheguem até nossos ouvidos.

Ausência de reclamações: Um mundo perfeito?

Não mesmo. Pelo contrário, diria até que a ausência de reclamações, essa sim é um problema. Se não existe nenhuma crítica sobre um produto, podem ser duas coisas:

Ou o produto atingiu seu estado perfeito, ou as pessoas decidiram que não vale a pena nem reclamar, apenas deixar de comprar. E adivinha qual é o cenário mais comum?

Pois é. As pessoas costumam criticar aquilo com o que elas se importam, justamente porque querem continuar consumindo o produto.

Podemos nos pegar como exemplo. Dificilmente voltamos em um lugar onde fomos mal atendidos.

Mas você não chega lá e chama o dono para conversar, e fala com ele o que seria bom melhorar. Você simplesmente vai embora e não volta lá.

O mais provável é que falemos com outras pessoas o quão ruim foi nossa experiência, fazendo com que elas também não queiram ir.

E é por isso que não podemos tratar as reclamações como uma sentença. Elas são ouro para aqueles que querem melhorar.

Nem toda reclamação vale o esforço.

Saber enxergar as reclamações como oportunidades é um grande passo. Mas isso não percorre nem a metade do caminho.

Para transformar as reclamações em soluções, temos que fazer uma análise criteriosa sobre o que está sendo pedido. Por mais que sejam pontos importantes, nem toda reclamação é de fato um problema que deve ser resolvido.

“-Como assim? Não estamos aqui para melhorar sempre?

Sim, mas temos que ter cuidado. Traçar um plano para um problema que não existe pode te fazer perder muito tempo e esforços a troco de nada.

Toda crítica é resultado de uma percepção negativa, mas isso não significa que exista um defeito real no seu produto ou serviço.

Um bom exemplo seria um pedido de um cliente para substituir o açúcar de sua formulação por adoçantes, pois ele precisa consumir produtos mais saudáveis. Seu cliente não está errado, é a percepção dele.

Porém, qual é o foco do seu produto? Qual é o público-alvo? Vale mesmo a pena desenvolver um produto novo para “um” cliente?

Reclamações nesse sentido devem ser avaliadas antes de sair correndo para tentar achar uma solução para seu cliente ou gestor. Existem características que são do produto ou do processo que você tem. E não existe algo que satisfaça 100% das pessoas. É do jogo.

Outro tipo de reclamação que não traz benefícios são as falsas reclamações. Desde o rato na Coca-cola até uma barata dentro do iogurte. Haja criatividade para o povo.

Infelizmente, existem pessoas que querem tirar vantagem e temos que estar atentos.

Por isso é importante conhecer bem seu produto, seu processo e o posicionamento de sua empresa. É preciso entender o que é factível e o que é apenas distração. Isso ajuda a definir quais críticas vão se transformar em bons resultados.

Como tratar as reclamações.

Tudo bem até agora, mas nós sabemos que a maioria das reclamações provém de falhas no produto mesmo. Um produto mofado ou estufado, separação de fases, sabores estranhos ao alimento. Esses são alguns dos tópicos mais comuns na indústria. E é nesse tipo de problema que nosso foco deve estar.

A primeira coisa que deve ser feita ao receber uma reclamação é registrá-la. Isso vale para todas. Todo evento desse tipo deve ser documentado. Nada de “fulano comentou que tal produto (…)“.

E não é apenas anotar, é registrar tudo. Independente de ser uma reclamação procedente ou não.

Data da reclamação, data, lote e hora da produção, qual o problema identificado. Isso ajuda não apenas a quantificar, criar um histórico, mas principalmente, direciona o plano de ações para a solução das ocorrências.

Especifique! Nada deve ser genérico ou amplo.

Pode ser que as reclamações cheguem até nós como algo do tipoProduto X está mofando no mercado, precisamos resolver isso“.

Ok. Com essa informação eu posso, de cara, reforçar a limpeza do setor, talvez aumentar a dosagem de conservante, ou quem sabe até aumentar o tratamento térmico do produto. Vai resolver? Pode ser que sim.

Por outro lado, se a reclamação chega como “Produto X, lote 0000, envasado as 18:00 do dia 14/05 recebeu 5 reclamações de mofo esta semana“, a abordagem muda completamente.

Você talvez pode verificar que, neste dia e hora, foi justamente o momento onde a máquina de envase apresentou uma falha de selagem, que inclusive foi corrigida na sequência.

As ações mudam de “Vamos lavar o setor até o teto” para “Vamos implantar a segregação de produtos sempre que houver uma intervenção da manutenção nos equipamentos

Reclamações devem primeiro resultar em uma investigação, para depois partir para o plano de ação.

Nesse sentido, sempre leve as informações completas para sua equipe. Dados muito vagos e genéricos vão resultar em perda de tempo.

A quantidade importa! Olho nos históricos

Outro ponto importante sobre os registros são a quantidade de reclamações para determinado problema. Uma única ocorrência isolada deve ser tratada de forma diferente do que uma série de ocorrências.

Esse também é um erro bem comum. Você recebeu 10 reclamações sobre textura mole do produto Y.

“-Fácil resolver, é só aumentar a dosagem do espessante.”

Não tão rápido. A investigação sempre deve ser feita.

Essas reclamações, elas são do mesmo lote? Então pode ter sido uma falha na pesagem do produto naquele dia.

São de lotes em sequência? Então talvez seja uma mudança de lote ou fornecedor de um ingrediente específico.

São de lotes aleatórios? Nesse caso, pode ser um defeito esporádico no equipamento, ou um determinado operador mal treinado que opera a linha de vez em quando.

Por isso o registro e controle das reclamações é importante. Precisamos entender se o que temos é um problema crônico, ou apenas um fato isolado. Se a ação deve ser corretiva imediata, ou se deve ser preventiva.

Finalizando

Nós sabemos que a rotina de trabalho não é apenas resolver reclamações internas ou externas. Por isso mesmo é importante traçar uma estratégia antes de sair correndo tentando resolver a qualquer custo.

Nosso tempo na empresa custa caro e saber usá-lo de forma eficiente é que nos torna profissionais valiosos.

Isso vale também para o momento em que recebemos uma reclamação. Não é hora de tentar se justificar. Geralmente nós só tentamos tirar o nosso da reta, as vezes sem nem saber qual o real problema, pois as informações podem estar desencontradas. Isso também é perda de tempo.

Procure, antes de qualquer coisa, coletar todas as informações, avaliar o cenário para só então propor uma resolução. Mesmo que você já saiba o que fazer, não se comprometa sem antes fazer uma análise fria.

Desse modo, será mais fácil não apenas atuar de maneira assertiva, como também definir as prioridades de ação, as vezes ocupando seu tempo precioso com problemas menos urgentes.

Mas não se esqueça de dar um retorno para o reclamante. De preferência após a investigação, comunicando quais ações serão tomadas. Isso reforça nosso compromisso com a melhoria e também a confiança com a relação, seja com o cliente ou com nosso gestor.

Perceba que são etapas simples, baseadas na gestão das informações e na definição prévia da estratégia.

Mas mesmo simples, se bem executadas, podem ajustar processos inteiros, economizando tempo e esforços de todos sem deixar de atingir resultados cada vez melhores. A partir daí, podemos evoluir os processos, tratativas, trabalhar com indicadores, etc.

Mas e ai, como você lida com reclamações no seu dia-a-dia? Conte aqui nos comentários.

Paulo Henrique Rodrigues Júnior
Paulo Henrique Rodrigues Júnior

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Atuo no setor de P&D e Processos na indústria desde 2015.
E desde então vivo um caso de amor pelos Processos Industriais. E quando sobra um tempinho, faço uns desenhos.

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2 comentários

  1. Muito bom seu texto. Aqui eu consigo me estressar só em saber que recebemos uma reclamação mas já entendi que é retorno de quem gosta do produto e quer continuar consumindo. Então estou mais tranquila com relação a isso.

    • Olá, Aline! Obrigado pelo seu comentário.
      O impacto inicial de uma reclamação nunca é bom, afinal é uma falha.
      Mas esse é o espírito, já que o leite está derramado, é entender o que fazer para melhorar.
      O cliente é o grande termômetro do nosso trabalho e essas situações podem reforçar a confiança na relação, se ele ver que há preocupação e esforço para melhorar.

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