Os produtos Zero lactose invadiram as prateleiras dos mercados nesta última década. Assim como qualquer novidade, essa também veio acompanhada de uma enxurrada de informações, algumas delas desencontradas. Nesta série de artigos nós vamos colocar os pingos nos “is” e tirar as principais dúvidas em relação aos produtos Zero Lactose.
Neste artigo, que é o quinto artigo da série Zero lactose, vamos entender os impactos da hidrólise nos produtos fermentados e também nos queijos.
Boa leitura!
Fermentados e queijos juntos!
Logo que comecei a escrever esta série, já imaginava colocar estes dois derivados no mesmo artigo. Não para economizar artigos, afinal quanto mais artigos eu escrevo, melhor.
Mas é que estes dois grupos têm algumas coisas em comum, principalmente quando falamos de lactose. São dois tipos de produto que, pelo próprio processo de fabricação, tem seu teor de lactose reduzido.
Além disso, estes são os derivados mais antigos do leite. Tanto que sua fabricação até hoje tem aspectos artesanais e culturais muito fortes. Eles eram produzidos muito antes de haver qualquer esboço das tecnologias atuais.
Porém, é claro que queijos e iogurtes (E quando falo “iogurte”, na verdade me refiro a todo o grupo dos fermentados) são produtos bem diferentes. Em outras palavras, quando vamos ao supermercado, sabemos exatamente o que é um e o que é outro.
Exceto pelo Petit-suisse, que ainda confunde uma galera.
Mas, do ponto de vista da hidrólise, até mesmo as diferenças nos processos podem ser explicadas em conjunto, como um contraponto. Dessa forma, acredito que podemos exercitar melhor a lógica deste processo.
Semelhantes, mas diferentes.
Vamos começar pela principal semelhança, do ponto de vista do processo: A etapa de coagulação.
Tanto fermentados quanto queijos precisam passar por esta etapa, que pode ser pela via enzimática (Queijos) ou ácida (Leites fermentados, mas também em alguns tipos de queijos).
Esse fenômeno, possível graças as proteínas e aos mecanismos intrínsecos de estabilização do leite, têm objetivos específicos em cada um desses derivados. E aí começam as diferenças.
Nos queijos em geral, o foco do coágulo é reter os macronutrientes (Proteínas e gordura), enquanto a fração solúvel (Lactose, sais, e água) do leite se separa na forma de soro. Com isso, obtém se a massa do queijo, que posteriormente será processada conforme o queijo desejado.
Já nos iogurtes, a coagulação tem importância na viscosidade e estabilidade do produto. Aqui pode ocorrer a separação do soro, mas o mesmo é reincorporado à massa. Portanto o gel formado deve ter a capacidade de “segurar” todos os nutrientes.
E estas diferenças são perceptíveis na textura dos produtos. Queijos possuem aspecto mais sólido ou granulado. Mesmo nos queijos fundidos, como é o caso do requeijão, percebe-se uma rede proteica bem coesa.
Por outro lado, os iogurtes são produtos mais líquidos e cremosos. Até os mais firmes possuem uma textura suave, dita colherável.
E a lactose?
Como mencionei anteriormente, decidi colocar estes dois derivados no mesmo artigo por eles terem teor reduzido de lactose. Mas os motivos dessa redução também são diferentes.
Nos leites fermentados ocorre a fermentação, uma sequência de reações metabólicas que resultam na produção de ácido e compostos aromáticos.
O ácido causa o abaixamento do pH, responsável pela coagulação das proteínas, enquanto compostos aromáticos são responsáveis pelo sabor e aroma caracteristicos.
Para que a fermentação ocorra, os microrganismos precisam de um substrato. E advinha qual é? Isso mesmo, a lactose. Então parte do carboidrato do leite é degradado durante a fabricação do produto.
Um iogurte pode ter uma redução média de 30% de lactose em relação ao leite (Ainda longe do zero lactose).
Já nos queijos, a maior parte da lactose é eliminada na dessoragem. Por se tratar de uma molécula solúvel, a lactose acompanha a água, saindo naturalmente no soro.
Mas novamente, não ocorre a remoção completa da lactose. A massa do queijo retém umidade e consequentemente, lactose. Dessa forma, quanto mais úmido o queijo, maior seu teor de lactose.
Se você é intolerante à lactose, não é uma boa ideia consumir um Minas frescal.
Alguns tipos de queijos passam pela etapa de maturação. Nestes casos, também ocorre o processo de fermentação, onde o fermento consumirá parte da lactose restante.
Queijos maturados chegam a ter redução de 70% no teor de lactose, ou mais.
Um ótimo exemplo é o Parmesão, um queijo de baixa umidade que, ainda por cima, passa por uma maturação de no mínimo 6 meses. É um queijo Zero Lactose, sem precisar de enzima.
Menos lactose. Hidrólise mais fácil?
Sempre que faço uma pergunta dessas, a resposta tende a ser contra intuitiva. Já adianto que não será esse o caso.
A hidrólise aqui será, no mínimo, igual as que vimos anteriormente.
E pensando nos processos que já vimos até aqui, a hidrólise a frio no leite após a pasteurização continua sendo uma boa alternativa.
Contudo, se todos as etapas de hidrólise fossem iguais, não teríamos esta série de artigos, não é mesmo?
Pois bem. Ao avaliar as etapas de fabricação destes derivados, vamos encontrar uma oportunidade que até agora não apareceu nos outros processos:
A etapa que precede a coagulação.
E porque esta etapa é uma oportunidade? Porque ela nos dá tempo dentro da faixa de temperatura ótima da enzima. No iogurte, por exemplo, são 4 horas em média para fermentar, isso a uma temperatura de 40 a 45°C.
Dá pra adicionar a enzima junto com as bactérias e realizar a hidrólise a quente, durante a fermentação. Economia fantástica de tempo!
Mas atenção! Não é qualquer lactase. As enzimas convencionais perdem sua atividade conforme o pH vai ficando mais ácido, paralisando a hidrólise.
Para esta etapa são necessárias as chamadas enzimas flex (Não confunda com FlexDOS), desenvolvidas especialmente para atuar em uma faixa ampla de pH, como no caso dos fermentados.
A hidrólise no queijo.
No queijo também existe uma janela de temperatura, mas seu tempo é mais curto.
A adição da enzima poderia ser feita na etapa de pré-maturação, junto com o fermento, mas não há tempo para uma hidrólise completa.
E durante a coagulação, mesmo que na temperatura ideal, a mobilidade da lactase será reduzida pela formação do gel. Lembrando que aqui a coagulação é muito mais rápida que no iogurte, levando de 20 a 40 minutos.
Após o corte, grande parte da lactase será perdida no soro e a que ficar na massa continuará com sua mobilidade reduzida. Ou seja, além do tempo total não ser suficiente, as condições ainda levam a um aumento do tempo necessário para a hidrólise.
Devido a esta falta de garantias de uma hidrólise eficiente, o mais usual é mesmo a hidrólise à frio no leite antes da fabricação do queijo. Porém, dependendo do tipo de queijo, podemos estudar uma redução no tempo de hidrólise.
Por exemplo, se for um queijo maturado, ou de massa lavada, não será necessário aguardar que 100% da lactose seja quebrada no tanque, pois grande parte do açúcar será eliminado no soro.
Podemos avaliar também uma hidrólise mista, sendo parte a frio e parte à quente, já aproveitando as etapas de fabricação do queijo no tanque.
Mas esse deve ser um estudo de viabilidade realizado de acordo com cada tipo de queijo e realidade da indústria.
Os impactos sensoriais.
Neste ponto seguimos a mesma linha dos artigos anteriores. Haverá aumento de doçura no produto assim como maior susceptibilidade à reação de Maillard.
O dulçor é simples de resolver. No iogurte, basta adicionar menor quantidade de açúcar ou edulcorante. No queijo, esse efeito é minimizado, pois assim como a lactose, a maioria da glicose e galactose saem no soro.
Quanto ao escurecimento, só será notado no produto final se a hidrólise for realizada antes da etapa de pasteurização, principalmente no iogurte.
Porém temos que ter uma atenção especial com queijos que serão forneados. Um queijo Zero lactose tende a escurecer mais durante o aquecimento, ainda mais se for um aquecimento prolongado.
Cito como exemplo a Mussarela. Este queijo pode apresentar, mesmo na versão tradicional, o defeito do browning, que nada mais é que o escurecimento demasiado.
O alimento mais fácil de notar este defeito é a pizza. Nela o queijo fica com aspecto de queimado.
Para diminuir este impacto podemos adotar fermentos especiais, que tenham a capacidade de degradar tanto a glicose quanto a galactose (Fermentos galactose positivos) e lavagem da massa, para reduzir o teor dos carboidratos no queijo.
Mais um pra conta!
Com isso finalizamos mais um artigo, mas ainda resta uma dúvida. O soro que sai destes queijos é Zero lactose, certo? Ele terá as mesmas aplicações que o soro comum? Por exemplo, podemos fazer soro em pó a partir dele?
É o que veremos no próximo artigo, onde vou abordar os impactos da hidrólise nos lácteos em pó.
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