Zero Lactose: A cinética da hidrólise

Os produtos Zero lactose invadiram as prateleiras dos mercados nesta última década. Assim como qualquer novidade, essa também veio acompanhada de uma enxurrada de informações, algumas delas desencontradas. Nesta série de artigos nós vamos colocar os pingos nos “is” e tirar as principais dúvidas em relação aos produtos Zero Lactose.

Neste segundo artigo da série, vou abordar a etapa responsável por “retirar” a lactose dos produtos lácteos: A hidrólise.

Boa leitura!

Gráfico de Tempo x Temperatura. Fator crucial para hidrólise.
Representação gráfica para cinética da hidrólise.

Falar de hidrólise é falar de enzima.

Quando pensamos em um processo de fabricação, entendemos que cada etapa tem um motivo bem específico de estar ali. Então, naturalmente, a hidrólise da lactose será uma etapa adicional na produção, em comparação aos produtos regulares.

O que ocorre no leite não é uma remoção, mas sim uma quebra da lactose nos seus dímeros: Glicose e galactose. Essa quebra é catalisada pela lactase.

Dessa forma, não dá para falar de produtos Zero lactose sem falar da lactase. A fabricação destes produtos depende completamente da atividade desta enzima. E por se tratar de uma enzima, a lactase precisa das condições certas para fazer a “mágica” acontecer.

As enzimas são um tipo de proteína. Elas atuam como catalizadores das reações químicas que ocorrem nos seres vivos.

Lactose sendo hidrolisada. Desenho de como acontece a hidrólise.
A hidrólise em si consiste na quebra da ligação glicosídica que une os dois monossacarídeos. Como o nome diz, hidro (água) + lise (quebra), é uma reação entre a lactose e água, sendo um H+ completar um dímero e um OH- para o outro. A enzima atua apenas como catalizador

Estas moléculas possuem um sítio ativo específico para favorecer determinado tipo de reação. É importante saber que o sitio ativo da enzima fica “ocupado” apenas durante a reação, ficando disponível em seguida para outra reação.

Graças a este mecanismo é possível adicionar uma pequena dose de enzima no leite. A mesma lactase é capaz de hidrolisar várias moléculas de lactose. Podemos também deduzir que a enzima se mantem viável no leite mesmo após o termino da reação.

Contudo, não há motivos para se preocupar, uma vez que a ação da lactase é específica para a lactose e não oferece risco algum ao nosso organismo.

Falar de enzima é falar de temperatura

Como vimos no primeiro artigo desta série, a temperatura é um fator muito importante para a hidrólise. Mas na verdade, a temperatura é um fator importante para tudo que ocorre.

Podemos definir de maneira breve a temperatura como o estado de agitação das moléculas de um sistema.

Perceba o grau de movimento das moléculas de água a 100°C. Nesta situação, há tanto movimento que as moléculas até saem do estado líquido para o gasoso.

Entretanto na mesma água, a 0°C, o movimento é mínimo. As moléculas estão quase paradas e se alinham, formando o gelo.

Nós não conseguimos diferenciar um leite a 10°C e a 40°C do ponto de vista molecular, mas sim, existe uma grande diferença (Tantas diferenças que já pensei agora, vou fazer um artigo específico para Efeitos da temperatura em alimentos).

Dessa maneira, quanto maior o grau de agitação das moléculas, maior a probabilidade das mesmas se encontrarem. Ou seja, é mais fácil para a lactose achar um sítio ativo disponível para que a hidrólise ocorra.

Em temperaturas baixas, a hidrólise dura entre 20 e 30 horas porque não há movimento suficiente. Por outro lado, em temperaturas entre 30 e 40°C, a reação ocorre em menos de 4 horas.

Falar de temperatura é falar de tempo

Aqui aparece o outro fator que vai definir essa etapa do processo: O tempo. E ele depende da temperatura.

Porém a relação não será sempre linear. Em outras palavras, mais temperatura não significa menos tempo de processamento.

Elevar a temperatura demais pode inclusive retardar a reação. Isso porque uma agitação molecular em excesso pode levar ao desencontro das moléculas: Elas estão tão rápidas que mal se esbarram.

A temperatura alta pode até mesmo parar a reação!

Esse movimento das moléculas nada mais é que a energia do sistema.

E se essa energia for excessiva, especialmente no caso das proteínas, pode levar a quebra de ligações na própria molécula. Esse fenômeno é o que chamamos de desnaturação.

A desnaturação leva a perda da estrutura natural da enzima. Por consequência, perde-se também as propriedades de atuar nas reações. E essa reação é irreversível.

Representação de uma proteína desnaturada. Excesso de temperatura na hidrólise.
A desnaturação consiste na perda da estrutura primária, funcional da enzima. O sítio ativo da enzima depende de sua estrutura molecular.

Por este motivo, deve-se pasteurizar um leite com a enzima apenas após a hidrólise completa. Depois do tratamento térmico, não há como a reação continuar, a não ser que sejam adicionadas mais enzimas posteriormente.

E porque falar disso tudo?

Ao avaliar todos estes pontos, conseguimos entender o porque existe uma temperatura ótima para que a enzima possa atuar. Esta temperatura geralmente varia entre 32°C e 45°C, a depender da enzima.

Existem muitas variedades de lactase no mercado. Elas podem ser obtidas por diferentes processos e isso impacta na sua atividade.

Entender essas questões nos ajuda a definir como será a etapa da hidrólise na fabricação.

A grande questão, e que inclusive mencionei no artigo anterior, é que esta temperatura ótima da enzima é também a temperatura ótima da maioria dos microrganismos deteriorantes. E o leite, todos sabemos, é um meio altamente nutritivo, inclusive para as bactérias.

É por isso que, embora a hidrólise possa se resumir apenas a uma adição da enzima no leite, cada derivado lácteo tem suas particularidades. Cada um deles tenha sua própria logica de adição.

Veremos já no nosso próximo artigo sobre a produção dos leites tipo C e UHT (Chega de teoria, certo? Bora para a prática).

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Paulo Henrique Rodrigues Júnior
Paulo Henrique Rodrigues Júnior

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Atuo no setor de P&D e Processos na indústria desde 2015.
E desde então vivo um caso de amor pelos Processos Industriais. E quando sobra um tempinho, faço uns desenhos.

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