Quais os impactos da remoção de gorduras saturadas nos alimentos?

Eu já abordei aqui no blog os desafios da redução de açúcar nos alimentos (Você pode conferir aqui). Dando continuidade aos impactos da Nova rotulagem (RDC 429/2020), vamos entender o papel das gorduras saturadas nos alimentos.

Alguns destes impactos estão neste artigo publicado no Milkpoint, mas de forma bem geral.

A proposta deste artigo não é discutir a legislação e seus parâmetros. Aqui vamos dar foco às alterações causadas pela remoção de gordura saturada dos produtos alimentícios.

Embora a lei não obrigue uma redução, não podemos nos enganar, esta será a tendência. Nenhuma marca quer ter um aviso em seu painel principal.

Sem mais enrolação, vamos ver a falta que a gordura saturada faz e se é possível substituí-la.

Gordura saturada
Representação gráfica para a remoção de gorduras saturadas.

Relembrando a química de alimentos

Antes de mais nada, precisamos estar na mesma página sobre o que são gorduras.

Gorduras, no todo, pertencem ao grupo dos lipídios, moléculas orgânicas com baixa solubilidade em água que possuem funções essenciais no metabolismo.

Lipídios servem como composição das membranas celulares, reserva energética, transporte de vitaminas lipossolúveis, e isolante térmico, dentre outras funções.

O mais comum é dividir os lipídios entre óleos e gorduras, sendo os óleos líquidos e as gorduras sólidas, considerando a temperatura ambiente.

Mas esta classificação não é tão precisa e nem mesmo uma regra. É comum chamar qualquer lipídio de gordura, óleo, ou até mesmo de graxa, vindo dos ácidos graxos (A partir daqui, vou chamar tudo de gordura).

Na própria tabela nutricional é referido como “Gorduras totais”, embora os óleos estejam incluídos no grupo.

A maneira mais precisa de classificar os ácidos graxos é quanto ao grau de saturação das moléculas.

Ácido graxo
Representação das moléculas de um lipídio.

A dita insaturação é uma ligação dupla entre os carbonos. Essa ligação provoca mudanças na conformação espacial da molécula, o que muda também suas propriedades.

Gorduras insaturadas x saturadas

Quando falamos de gordura, temos que nos ater a forma como elas se apresentam nos alimentos.

Em sua maioria, as gorduras estão na forma de glicerídeos, que são compostos por uma molécula de glicerol ligada a 1, 2 ou 3 moléculas de ácido graxo.

É o ácido graxo que confere a propriedade da gordura, pois é exatamente nesta molécula que ocorre (ou não) a insaturação. O tamanho das cadeias de carbono em uma ácido graxo pode variar de 4 a 22. E a insaturação pode ocorrer em qualquer um destes carbonos, ou até em mais de um.

Por isso, existem diversos tipos de ácidos graxos, cada qual com sua propriedade.

Mas vamos focar nas diferenças globais.

As gorduras insaturadas possuem uma ou mais ligações duplas de carbono ao longo da cadeia. A insaturação faz com que a cadeia “se dobre”, fazendo com que ela ocupe mais espaço.

E isso aumenta a distância entre as moléculas como um todo. Estas moléculas mais distantes é o que determina o estado líquido das gorduras insaturadas e todas as demais propriedades como ponto de fusão, ebulição, etc.

Já com as gorduras sem saturação o raciocínio é o contrário. Como não há desvio na cadeia, é mais fácil compactar as moléculas, fazendo com que elas ocupem menos espaço. Dessa forma, elas se apresentam sólidas à temperatura ambiente.

Ácido graxo
Quanto mais insaturada a molécula, maior dificuldade na organização, maior espaço ocupado. Por isso gorduras insaturadas são líquidas à temperatura ambiente.

As propriedades nos alimentos

Só com isso já deu pra sacar que cada tipo de gordura tem uma aplicação definida na indústria. As gorduras saturadas possuem apelo pela consistência, textura e sabor.

Esse tipo de gordura possui origem majoritária animal e não é atoa. O ato de engordar tem a ver com acumulo de energia no tecido adiposo. Nosso corpo faz isso ocupando o mínimo de espaço possível, estocando energia como gordura saturada.

Imagine se essa barriguinha que cultivamos fosse feita de gordura líquida?

Mesmo sólida, a gordura saturada não é como se fosse uma pedra de gelo. Ela possui maleabilidade o suficiente para movimentação dos animais (A natureza é perfeita).

E nós gostamos dessa sensação nos alimentos que consumimos: Ser sólido, firme, mas ao mesmo tempo, suculento, macio. É daí que vem o adjetivo cremoso. Cremoso nada mais é que a sensação obtida ao adicionar creme de leite no alimento. Leite que vem lá da vaca (Origem animal).

Já quando falamos de gorduras insaturadas, estamos nos referindo aos óleos, onde a origem vegetal predomina.

Essa gordura é mais aplicada em molhos e similares, produtos com objetivo mais de acompanhamento, lubrificação e estabilização de sabor e aroma.

E nem de longe quero colocar um melhor que o outro (Amo azeite!). Apenas temos que reconhecer que as aplicações são diferentes.

Trocar por outra gordura não é uma solução!

Devido às propriedades diferentes, não é possível remover a gordura saturada e colocar uma gordura insaturada no lugar esperando obter o mesmo produto.

Não estou falando que não pode tirar gordura animal e colocar uma vegetal no lugar. Isso pode. Contudo, para manter o produto com aspecto similar, esta gordura também deverá ser saturada. Bons exemplos de saturadas vegetais são as gorduras de coco e palma.

Mas isso não ajuda, pois é a quantidade de saturadas que está sendo limitada. Outra rota seria a adição gordura trans. Só que não! Gorduras trans são obtidas pela hidrogenação das gorduras insaturadas, um modo de forçar a cadeia do ácido graxo ficar semelhante à saturada.

Até a década passada, margarinas eram ótimos exemplos de trans. São feitas de óleo vegetal, mas permanecem sólidas à temperatura ambiente.

O problema é que esta gordura é considerada mais prejudicial à saúde que a própria gordura saturada, sendo que a própria ANVISA quer banir as gorduras trans da alimentação até 2023.

Outra opção ainda seria a utilização de óleos interesterificados (Contido nas margarinas atuais), produtos obtidos a partir da modificação química da gordura insaturada sob a presença de ácidos graxos saturados. Mas esse processo de solidificação da gordura insaturada também acaba por aumentar a saturação.

E qual a solução?

Usar menos gorduras saturadas na formulação, se possível. Apenas isso, sem repor com gordura alguma.

O grande desafio da remoção da gordura é que é difícil repor toda sua contribuição com apenas um ingrediente. A presença de gordura influência no aroma, sabor, consistência, “mouthfeel“, perfil de derretimento, enfim, tudo que compõe o padrão do produto.

Recompor o que foi perdido com a ausência dessa gordura será feito como sempre foi, com espessantes (teremos um artigo específico para falar de gomas), estabilizantes e aromas.

Visto os casos dos cremes de leite UHT, cada vez com menos gordura (Já tem creme com 10% no mercado!) mas ainda “parecem” dar o mesmo resultado nas receitas. Fruto de uma estabilização bem feita.

Porém isso não quer dizer que não podemos utilizar substitutos “naturais”. Proteínas, amidos, pectinas e outros podem ajudar a recuperar a textura perdida.

Assim como para o caso dos açúcares, alguns alimentos virão com rotulagem frontal. Manteiga por exemplo. Não há o que fazer em tecnologia sem descaracterizar o produto.

E não há problema! Assim como não há problema com a gordura saturada. Lembre-se, ela desempenha funções vitais em nosso corpo. Não existe isso de gordura “boa” e gordura “ruim” (Exceto as trans, que não possuem benefícios comprovados).

A grande questão é o excesso.

Apenas lembre-se que o consumidor é quem manda. Ele quer alimentos mais saudáveis, mas não quer alimentos diferentes. Senão ele já teria parado de comprar sua marca. Mantenha seu foco nele!

E aí, como você vai remover a gordura saturada excedente dos alimentos com os quais trabalha? Conte aqui pra gente!

Paulo Henrique Rodrigues Júnior
Paulo Henrique Rodrigues Júnior

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Atuo no setor de P&D e Processos na indústria desde 2015.
E desde então vivo um caso de amor pelos Processos Industriais. E quando sobra um tempinho, faço uns desenhos.

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