A indústria de alimentos 4.0 com uma dose de realidade.

Você já deve ter ouvido falar na Industria 4.0 e no seu enorme poder de transformação do mercado. Mas será que a indústria de alimentos está preparada para esta revolução? Neste artigo quero discutir sobre a indústria 4.0 e seus impactos, mas também deixar algumas reflexões sobre o tema.

A indústria de alimentos 4.0 com uma dose de realidade.
Será mesmo que em um futuro próximo não teremos pessoas nas fábricas?

Um pouco sobre tecnologia.

A tecnologia está entre nós desde que nos entendemos por gente. Imagine como foi para o homem de milhares de anos atrás dominar o fogo. O exemplo mais famoso de tecnologia antiga é a invenção da roda.

Embora nós possamos achar que seja algo mais relacionado às coisas eletrônicas e digitais de hoje, tecnologia é a análise de técnicas e procedimentos utilizados na construção de algo.

A biologia, física, química e afins estudam o que acontece naturalmente no universo. Já a tecnologia se aplica à tudo aquilo que o homem criou a partir do conhecimento adquirido.

Qualquer máquina, produto ou peça trata-se de tecnologia. E um ponto interessante sobre a tecnologia é que ela sempre caminha na direção do menor esforço humano.

As indústrias são grandes sítios tecnológicos. Uma série de equipamentos que facilitam as atividades humanas. É assim desde a revolução industrial onde uma máquina a vapor reduziu o trabalho braçal de muitas pessoas.

A indústria 4.0 apenas segue este processo de otimização do trabalho.

O que a indústria 4.0 engloba?

Hoje estamos saindo do que é considerado Terceira revolução industrial. Este período se iniciou em 1969, marcado pela automação, eletrônica e robótica.

Antes tivemos a já citada primeira revolução (1784), e também a segunda revolução industrial (1870). Esta última foi marcada pela descoberta da eletricidade e da concepção de linhas de montagem.

Uma revolução industrial não é uma data fixa a partir de onde tudo mudou. As datas são apenas uma aproximação para o período onde as mudanças começaram.

Por isso é mais correto pensar em uma tecnologia predominante, que permitiu uma aceleração na evolução das indústrias durante o período.

A indústria de alimentos 4.0 com uma dose de realidade.
Infográfico: As quatro revoluções industriais.

A indústria 4.0 é caracterizada pelo uso da inteligência artificial, da internet das coisas e da computação em nuvem. Em resumo, será a fase da indústria digital, caminhando para a indústria autônoma.

Mas essa indústria também será marcada pelo uso intenso de robôs e de automação. Isso porque cada salto de tecnologia incorpora e aprimora as tecnologias anteriores. Até hoje usamos máquinas a vapor e energia elétrica, mas de maneira mais eficiente.

Além das características citadas, a indústria 4.0 também engloba:

  • BigDATA;
  • Cyber-Segurança;
  • Manufatura digital;
  • Manufatura aditiva;
  • Integração de sistemas;
  • Simulações avançadas.

Automação ou inteligência artificial?

Existe uma confusão entre o que é automação e o que é inteligência artificial. Porém, estas são coisas bem distintas.

A inteligência artificial baseia-se no processamento de um grande volume de dados por um computador. A máquina “inteligente” é capaz de interpretar a situação que está acontecendo no momento e a partir disso, toma uma decisão, similar ao que nós fazemos.

Por outro lado, a automação consiste em uma programação lógica da máquina, onde para cada cenário existe uma resposta do equipamento.

Uma máquina com inteligência artificial é capaz de “escrever” sua própria programação para a tomada de decisões. Já uma máquina automática apenas realiza uma ação já prevista em sua programação.

O que vemos hoje nas indústrias é automação. Robôs paletizadores, máquinas de envase ou plantas inteiras operadas pela tela do computador. Mesmo parecendo inteligentes, essas máquinas foram programadas para realizar tarefas conforme as condições existentes, ou para responder a um comando de um operador.

Não existe nenhuma ação desta máquina que não tenha sido descrita previamente por um ser humano.

Com a inteligência artificial será comum vermos máquinas “tomarem decisões” não previstas por quem a programou. Mas qual a utilidade disso?

Computadores tem a capacidade de processar mais dados que nós, o que permite uma tomada de decisão mais rápida. Um exemplo? Manutenção preventiva. Uma inteligência artificial é capaz de identificar sinais de desgaste em um equipamento bem antes de nós.

O cenário atual.

As indústrias de alimentos em geral possuem uma série de equipamentos que facilitam as atividades. Já imaginou ter que envasar 12.000 caixinhas de suco por hora? Uma única máquina é capaz de fazer isso, e de forma asséptica.

Existem nas indústrias atuais robôs que montam caixas, que selecionam frutas e até robôs que coletam ou analisam as matérias-primas.

De colheitadeiras e ordenhadeiras, tudo foi automatizado.

Estamos no auge da terceira revolução, mas em partes. O melhor da automação não chegou a todas as indústrias de alimentos. Em alguns casos por resistência à mudança (Tradição, produção artesanal, etc). Em outros, pelos altos investimentos necessários.

Mas mesmo nas indústrias onde há muita automação, ainda falta domínio da tecnologia.

Eu entendo quando os técnicos lutam para manter o processo de fabricação de queijo artesanal. Os anos de experiência de um queijeiro dão uma surra em muitas “queijomatics” por ai, quando o tema é a qualidade do queijo.

Na minha opinião, isso acontece por uma falta de comunicação. Pessoas de automação não sabem de alimentos e o contrário também é verdade. Se não existe um desenvolvimento conjunto é mais difícil colocar em prática. Por isso precisamos nos inteirar deste tema.

Mas existe um segundo problema.

A teoria é sempre linda, porém estática. É na prática que vemos o que de fato acontece. O que eu vejo acontecer é uma transição despreparada, ainda da segunda para a terceira revolução (Indústria 2.5 talvez).

A dose de realidade.

Certa vez me pediram para fazer um estudo para implantar máquinas de enfardamento em uma linha, com o seguinte objetivo: Reduzir o custo com pessoal.

Concluí o estudo com esse custo praticamente se mantendo o mesmo. Mas como?

Não dava para simplesmente tirar as pessoas da linha, pois alguém precisava operar as novas máquinas. E sim, haveria a redução do quadro, mas um operador de máquina ganha mais que um auxiliar no enfardamento.

Essa situação é comum (infelizmente): a aquisição de equipamentos super modernos, mas esquecendo dos investimentos em pessoal. “Poxa, você acabou de comprar uma máquina de 5 milhões de reais!”

“Não consegue pagar um bom salário para um bom operador? Ou um treinamento decente para as pessoas da sua equipe?”

O resultado disso são perdas tanto em produto quanto em horas paradas para ajuste de maquinário.

Adquirir uma máquina com maior produtividade é positivo. Contudo, cada hora parada ou falha desta maquina, vai impactar as perdas na mesma proporção.

Não podemos evoluir apenas as máquinas!

É como comprar uma Ferrari e colocar na mão de alguém sem habilitação. A pessoa mal saberá tirar o carro do lugar. E imagine só o prejuízo de uma batida?!

Não estou falando de dar “fuscas” para os operadores, mas sim de torná-los capazes de pilotar a Ferrari.

Perspectivas futuras.

Diante desta realidade, eu me pergunto se estamos prontos para um próximo passo. Você pode argumentar que a indústria 4.0 será capaz de eliminar estes problemas com a inteligência artificial.

Acho difícil. Não há como eliminar a interferência humana do processo. Alguém precisa estar lá supervisionando o robô. Porque a dita inteligência da máquina é lógica. Ela não possui capacidade de analisar situações de forma crítica, como eu e você fazemos.

E sempre haverá alguém controlando a tecnologia. Não quero nem pensar em colocar um computador super “inteligente” na mão de um qualquer.

Não sou daqueles que acreditam na revolta das máquinas e que elas vão nos matar. Meu medo é mais real: A quantidade de desperdício que esse equipamento caro pode gerar “”””aprendendo“””” com alguém sem as devidas competências.

A indústria de alimentos 4.0 com uma dose de realidade.
“- Pensei que essa máquina fosse mais inteligente!”
“- Pensei que esse humano fosse mais inteligente!”

As empresas tem que evoluir na gestão. Não queremos carregar os erros desta geração para a próxima.

Este texto não é uma visão pessimista do que estar por vir. Sou um amante da área computacional e de tecnologias. Este futuro é muito bem vindo!

Mas temos que pensar no hoje. Para então se preparar melhor para o amanhã. Cabe a nós guiar a tecnologia para o lugar certo. Para isso, precisamos capacitar nossa equipe e a nós mesmos, para lidar com os novos desafios.

Paulo Henrique Rodrigues Júnior
Paulo Henrique Rodrigues Júnior

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Atuo no setor de P&D e Processos na indústria desde 2015.
E desde então vivo um caso de amor pelos Processos Industriais. E quando sobra um tempinho, faço uns desenhos.

Para mais conteúdos, me segue no Instagram :)

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